Do Éden à Igreja
- INV É de Deus
- 15 de set.
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Uma Defesa Exegética do Ensino, da Pregação Pública e do Ministério Pastoral Feminino
Resumo
Este estudo demonstra, por meio de análise bíblica e exegética detalhada, que a restrição ao ensino, à pregação pública e ao ministério pastoral feminino não é uma norma universal, mas uma instrução circunstancial. A partir de Gênesis, dos escritos paulinos e da teologia da redenção, conclui-se que:
1. O plano original de Deus é parceria igualitária. 2. A subordinação feminina é fruto da queda.
3. Em Cristo, o ideal do Éden é restaurado.
4. O Espírito distribui dons ministeriais sem distinção de gênero.
5. Mulheres no NT já exerceram funções públicas de Palavra com caráter pastoral.
6. 1 Tm 2:12-14 é circunstancial e local.
7. Gálatas 3:28 é normativo e universal.
8. A exegese dos textos bíblicos comprova a defesa do ensino, da pregação pública e do ministério pastoral feminino.
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1. O ideal criacional: parceria sem hierarquia
Texto base:
> Gênesis 1:26-28 — “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteja pela terra.”
> Gênesis 2:18 — “Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.”
Exegese:
- Tselem — “imagem”; representação visível e funcional do caráter e autoridade de Deus.
- Demut — “semelhança”; correspondência moral e espiritual com Deus.
- Kabash — “sujeitar”; exercer mordomia responsável sobre a criação.
- Radah — “dominar”; governar com cuidado e autoridade delegada.
- ʿēzer kenegdô — “auxiliadora que lhe corresponda”; termo usado para Deus como auxílio poderoso (Sl 33:20), indicando igualdade e parceria.
Argumento contrário comum:
“Adão foi criado primeiro, e isso indica liderança masculina na ordem da criação.”
Refutação:
- A ordem de criação não é apresentada como hierarquia, mas como preparação para a parceria.
- A primogenitura cronológica não implica autoridade espiritual — animais foram criados antes do homem, mas não têm autoridade sobre ele.
- O foco do texto é a igualdade de missão e autoridade.
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2. A distorção causada pela queda
Texto base:
> Gênesis 3:16 — “E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará.”
Exegese:
- Mashal — “governar”; exercer domínio ou autoridade. No imperfeito hebraico, indica ação futura como consequência, não mandamento.
- “Teu desejo será para o teu marido” — expressão que, no contexto, indica tensão relacional e desejo de controle, contrastado com o domínio do homem.
Argumento contrário comum:
“Deus estabeleceu a liderança masculina após a queda, e isso continua válido.”
Refutação:
- O texto é descritivo, não prescritivo.
- A obra redentora de Cristo visa reverter os efeitos da queda (Gl 3:28; Ef 5:21).
- Usar Gn 3:16 como norma é legitimar outros efeitos da queda como permanentes, o que contraria a lógica da redenção.
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3. Mulheres no ministério bíblico
Texto base:
> 1 Coríntios 14:3-4 — “Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando. O que fala em língua edifica a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja.”
Exegese:
- Prophēteuō — “profetizar”; falar sob inspiração divina para edificação da comunidade.
- Oikodomē — “edificação”; construção espiritual da igreja.
- Paraklēsis — “exortação”; encorajamento e instrução moral.
- Paramythia — “consolação”; conforto espiritual.
Argumento contrário comum:
“Em 1 Coríntios 14:34-35, Paulo manda as mulheres ficarem caladas nas igrejas.”
Refutação:
- Paulo reconhece mulheres orando e profetizando no culto (1 Co 11:5), logo o “calar-se” não é absoluto.
- O contexto trata de ordem no culto e interrupções indevidas, não de proibição de ensino.
- Muitos estudiosos veem 1 Co 14:34-35 como citação de um argumento coríntio que Paulo refuta no v.36.
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3-A. 1 Coríntios 11:5 — Profecia feminina como função pastoral
Texto base:
> “Toda mulher, porém, que ora ou profetiza com a cabeça sem véu desonra a sua própria cabeça, porque é como se a tivesse rapada.”
Exegese:
- Proseuchomenē — “que ora”; dirigir-se a Deus em oração.
- Prophēteuousa — “que profetiza”; proclamar mensagem inspirada por Deus à comunidade.
- Akatakalyptō — “descoberta”; sem cobertura na cabeça, questão cultural de honra.
Argumento contrário comum:
“Profecia não é o mesmo que ensino ou pregação pastoral.”
Refutação:
- Em 1 Co 14:3-4, a profecia é ministério de edificação, exortação e consolação — funções centrais do ensino e da pregação.
- Ef 4:11-12 coloca profetas e pastores lado a lado como dons para edificar a igreja.
- A distinção rígida entre profecia e ensino pastoral não é sustentada pelo NT.
4. Dons ministeriais e ausência de restrição de gênero
Texto base:
> Efésios 4:11-12 — “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo.”
Exegese:
- Poimenas — “pastores”; líderes espirituais que cuidam e guiam.
- Didaskalous — “mestres”; instrutores da Palavra.
- Katartismon — “aperfeiçoamento”; capacitação plena.
- Diakonia — “serviço, ministério”; sem distinção de gênero.
- Oikodomē — “edificação”; fortalecimento espiritual da comunidade.
Argumento contrário comum:
“A função pastoral é reservada aos homens por causa da autoridade sobre a igreja.”
Refutação:
- A autoridade pastoral no NT é serviço e edificação, não domínio (2 Co 10:8; 1 Pe 5:2-3).
- Negar o exercício ensino/pastoral a quem recebeu dons para edificar é resistir à distribuição soberana de Cristo.
- Atos 2:17-18 inclui “filhas” no ministério profético público.
5. Autoridade ministerial como edificação
Texto base:
> 2 Coríntios 10:8 — “Porque, se eu me gloriar mais ainda a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação, e não para destruição, não me envergonharei.”
Exegese:
- Exousía — “autoridade”; direito e capacidade concedidos por Deus para agir em favor da comunidade.
- Eis oikodomēn — “para edificação”; objetivo central da autoridade ministerial, construir e fortalecer espiritualmente.
- “Não para destruição” — delimita a autoridade, que não deve ser usada para opressão ou abuso.
Argumento contrário comum:
“A autoridade pastoral envolve governo da igreja, e a Bíblia dá essa função aos homens.”
Refutação:
- O governo da igreja no NT é colegiado e servil, não concentrado em um indivíduo com poder sobre outros (Mc 10:42-45).
- Mulheres no NT exerceram liderança reconhecida (Febe em Rm 16:1-2; Priscila ensinando Apolo em At 18:26).
- Se a autoridade é para edificar, e mulheres já edificavam publicamente, não há base para excluí-las do exercício pastoral.
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6. 1 Timóteo 2:12-14 — Instrução circunstancial
Texto base:
> 1 Timóteo 2:12-14 — “E não permito que a mulher ensine, nem que exerça autoridade sobre o homem; esteja, porém, em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.”
Exegese:
- Didáskein — “ensinar”; instrução doutrinária.
- Oude authentein — “nem exercer autoridade”; termo raro, com sentido de “usurpar, dominar de forma abusiva” em fontes extrabíblicas.
- Hēsychia — “tranquilidade, quietude”; não significa mudez absoluta.
- Prōtos eplasthē — “primeiro foi formado”; sequência cronológica, não hierárquica.
Argumento contrário comum:
“Paulo baseia sua proibição na ordem da criação, logo é uma regra universal.”
Refutação:
- Paulo usa a ordem da criação em outros contextos para corrigir erros específicos (1 Co 11:8-12), sem estabelecer hierarquia permanente.
- A menção a Eva enganada pode responder a ensinos heréticos locais que exaltavam Eva ou distorciam o relato da criação.
- Se fosse uma proibição universal, entraria em contradição com 1 Co 11:5, onde mulheres falam publicamente no culto.
- O texto corrige um problema circunstancial em Éfeso, não estabelece norma eterna.
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7. Gálatas 3:28 — O princípio redentivo normativo
Texto base:
> Gálatas 3:28 — “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”
Exegese:
- Ouk eni — “não há”; negação absoluta, indicando ausência de distinção como barreira de status.
- “Todos vós sois um” — unidade essencial e plena na nova criação em Cristo.
- O contexto imediato trata da salvação pela fé, mas o princípio é teológico e eclesiológico.
Argumento contrário comum:
“Gálatas 3:28 fala apenas de igualdade espiritual para salvação, não de funções na igreja.”
Refutação:
- O princípio da unidade em Cristo molda a vida comunitária (cf. Gl 2:11-14, onde Paulo aplica o evangelho para corrigir discriminação prática).
- Separar “igualdade espiritual” de “participação ministerial” cria uma dicotomia que o NT não sustenta: dons e funções são dados pelo mesmo Espírito a todos (1 Co 12:7, 11).
- Portanto, Gálatas 3:28 é normativo e universal, servindo como lente interpretativa para textos circunstanciais como 1 Tm 2.
8. Conclusão Geral — Defesa Exegética do Ensino, da Pregação Pública e do Ministério Pastoral Feminino
A análise bíblico-exegética dos textos-chave revela que:
- Gênesis 1–2 apresenta homem e mulher como co-herdeiros da imagem de Deus e co-responsáveis pelo mandato de governar e cuidar da criação, sem hierarquia de autoridade.
- Gênesis 3:16 descreve a subordinação como consequência da queda, não como ordem divina eterna.
- 1 Coríntios 11:5 mostra mulheres orando e profetizando publicamente no culto. A profecia, segundo 1 Coríntios 14:3-4, tem como alvo a oikodomē (edificação) da igreja — o mesmo objetivo do ensino, da pregação pública e do ministério pastoral em Efésios 4:11-12 e 2 Coríntios 10:8.
- Raciocínio lógico:
1. Pastoreio, ensino e pregação visam oikodomē.
2. Profecia visa oikodomē.
3. Mulheres profetizavam publicamente.
4. Logo, mulheres já exerciam função de oralidade pública com efeito pastoral.
- Efésios 4:11-12 e 1 Coríntios 12 afirmam que os dons ministeriais são concedidos por Cristo e distribuídos pelo Espírito “a cada um” (hekastō), sem distinção de gênero.
- Atos 2:17-18 enfatiza que “filhos e filhas” profetizarão, confirmando a inclusão plena no ministério de Palavra.
- 1 Timóteo 2:12-14, quando lido no contexto histórico e lexical (authentein como “usurpar autoridade”), é uma instrução circunstancial para corrigir abuso e ensino distorcido em Éfeso, não uma norma universal.
- Gálatas 3:28 é um princípio normativo e universal que expressa a realidade da nova criação: “Não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” Esse princípio deve servir como lente interpretativa para textos circunstanciais.
Portanto, à luz da exegese:
1. O plano original de Deus é parceria igualitária no exercício da autoridade espiritual.
2. O Espírito concede dons ministeriais soberanamente, sem restrição de gênero.
3. O NT registra mulheres exercendo funções de Palavra com o mesmo objetivo do ensino, da pregação pública e do pastoreio (oikodomē).
4. O único texto usado para proibir (1 Tm 2) é circunstancial e não pode anular o princípio normativo de Gálatas 3:28.
Conclusão final:
Negar às mulheres o exercício do ensino, da pregação pública e do ministério pastoral ordenado não encontra respaldo na teologia bíblica da criação, na prática da igreja primitiva nem na exegese cuidadosa dos textos paulinos. Ao contrário, a Escritura oferece base sólida para reconhecer e afirmar o chamado feminino como expressão legítima da vontade de Deus e da obra do Espírito na igreja.
Pr. Niger Martins
Pr. Presidente das Igrejas de Nova Vida É De Deus
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